Seminário aponta desafios para combater trabalho infantil

Rodrigo Zavala

Os programas de combate ao trabalho infantil incluem ou apenas culpam os pais nas ações que promovem? Quais são as dificuldades encontradas no diálogo entre escolas e ONGs quando o assunto é educação desse público? Como assegurar que todos os atores sociais participem de forma integrada em uma rede de garantia dos direitos da criança e do adolescente? 

Essas foram apenas algumas das questões levantadas pelos participantes do seminário “Construindo um Mundo sem Trabalho Infantil”, realizado nos dias 13 e 14 de maio, em São Paulo. Promovido pela Fundação Telefônica, o evento reuniu especialistas e profissionais da área para debater, com cerca de 150 participantes, diagnósticos e experiências práticas para qualificar projetos nessa área. 

Por questões metodológicas, os participantes foram divididos em três grupos de trabalho, cada um focado em um eixo temático: Educação, Família e Rede de Proteção. Eles levantaram o que consideraram as principais questões para combater o trabalho infantil, alimentados conceitualmente por palestrantes, como a fundadora da organização Juconi, do Equador, Sylvia Reyes, o diretor executivo da Prattein Consultoria, Fábio Ribas e da coordenadora de Programas da Ação Educativa, Vera Masagão. 

Segundo a gerente de projetos da Fundação Telefônica, Gabriella Bighetti, o objetivo principal foi mesmo de aprofundar as discussões sobre o tema. “Muitos eventos têm invariavelmente o mesmo formato, com uma apresentação e o público parado escutando. Nós proporcionamos uma tarde para refletir e problematizar as questões a serem feitas aos palestrantes”, lembrou. 

No grupo que discutiu Educação, destacam-se dois grandes desafios, que precisam ser vencidos. O primeiro é a falta de alinhamento entre escolas e ONGs. Mais do que confusões conceituais, o grupo deu a entender que existe uma grande diferença de linguagem entre as instituições, que não se entendem e não articulam o trabalho. 

Gabriella, que acompanhou as conclusões do grupo, comentou que eles disseram existir dificuldades de compreensão do próprio Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Outro ponto desfavorável é a confusão sobre educação formal e não-formal. “Estamos mesmo promovendo uma educação transformadora, de qualidade? Como estamos ocupando o tempo livra da criança? Com o trabalho, é possível quebrar o ciclo vicioso do trabalho infantil?”, questionou a especialista.

No que toca o trabalho com as famílias, o segundo grupo provocou o debate com uma espécie de mea culpa, ao refletir sobre como programas de combate incluem essa parcela em suas ações. “Como torná-las aliadas a essa questão? Culpar os pais ou responsáveis não é suficiente”, afirma a gerente de projetos da Fundação, com base nas discussões dos participantes. 

Além de revisar o envolvimento da família na aplicação das ações sociais cabíveis, será preciso também rever os métodos para retirar crianças do trabalho. “Os programas geralmente têm como foco a geração de renda, o que é muito restritivo”, comenta. 

Outro desafio apresentado pelo grupo de discussão foi o de consegui trabalhar com as novas configurações dos núcleos familiares. Isto porque existem novos modelos de famílias - muito distante do padrão “comercial de margarina” - cujos profissionais da linha de frente devem saber lidar. 

Uma conclusão fundamental levantada pelos participantes, que discutiram o tema Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes, mostrou que sem articulação dos atores envolvidos no sistema de garantias para esse público, a criança não será prioridade. Afinal, ninguém é capaz de estimular o desenvolvimento integral da criança sozinho. 

Com uma rede alinhada, é possível reunir mais informações sobre a infância, com os diversos atores envolvidos, e transformá-las em diagnóstico. Conseqüentemente, esse grupo de instituições (escolas, conselhos tutelares, Ministério Público, ONGS etc) tem maior embasamento e poder para influenciar políticas públicas. 

Pesquisa 

Durante o seminário, também foi lançada a publicação Retratos do Trabalho Infantil, que é fruto de uma pesquisa realizada pela Ação Educativa em projetos apoiados pela Fundação Telefônica em 17 municípios paulistas. O levantamento entrevistou 5.615 crianças e adolescentes, em duas etapas realizadas em 2007 e 2008. 

O estudo permitiu observar a evolução e as principais formas de trabalho infantil, além de apontar pontos de reflexão sobre o papel, os resultados e as limitações dos projetos de combate ao problema. 

De acordo com a pesquisa, mais da metade dos entrevistados (67%) informou desenvolver algum tipo de trabalho e, entre estes, mais de 70% declararam trabalhar nas ruas, sendo a maioria na coleta de material reciclável. Chama a atenção o fato de mais da metade das crianças que trabalham nas ruas, expostas a riscos, ter entre 5 e 9 anos. 

Segundo o IBGE, existem cerca de 1,2 milhão de crianças com idade entre 5 e 13 anos exercendo alguma atividade econômica no Brasil. 

A segunda atividade mais citada pelas crianças foi o trabalho doméstico em casa, caracterizado de forma bastante sistematizada pela equipe da pesquisa. No estudo, o trabalho doméstico em casa agrupa os entrevistados que disseram cuidar dos irmãos ao mesmo tempo em que limpam a casa, fazem ou esquentam comida, no meio da semana ou na semana inteira, sem a supervisão de um adulto. 

“Muitas pesquisas sobre trabalho infantil descartam as atividades domésticas porque elas não são remuneradas. Mas, quando essa prática ocupa parte significativa do tempo da criança e exige dela responsabilidades de adulto, pode haver efeitos nocivos sobre seu desenvolvimento”, explica o diretor presidente da Fundação Telefônica, Sérgio Mindlin. 

Mais do mesmo 

Outro levantamento, este divulgado pela Associação Nacional dos Centros de Defesa (Anced), também é oportuno para o debate. Segundo ele, a violência institucional, aquela cometida pelo próprio Estado, é um dos grandes desafios na área dos Diretos da Criança e Adolescente no Brasil. 

Segundo o coordenador da Anced, Djalma Costa, o Estado não tem cumprido os compromissos e as diretrizes estabelecidos pela Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) da Organização das Nações Unidas (ONU) (clique aqui para saber quais são) Mais do que isso, viola o direito à saúde quando não oferece assistência médica às crianças. 

De acordo com o documento lançado pela associação, o atendimento médico para crianças indígenas chega a demorar oito meses. Em uma lógica simples, esse espaço de tempo pode levar a morte por desassistência. 

O mesmo relatório denuncia ainda a falta de atenção do Estado à situação das crianças e dos adolescentes que vivem em regiões de risco. Em determinado ponto diz que as estratégias das políticas governamentais não atendem a esse segmento. O relatório exemplifica a atuação da polícia carioca em comunidades pobres. 

O levantamento, que foi produzido com o apoio de organizações que atuam pelos direitos infanto-juvenis, é dividido por eixos temáticos: Sistema Geral de Proteção; Medidas Gerais de Implementação da CDC; Homicídios, Atentados à Vida, à Integridade Física, Tortura e Punições Corporais; Convivência Família e Comunitária; Violência Sexuais e Exploração Econômica; Direito à Saúde, Direito à Educação e Justiça Juvenil. 

Criança não é prioridade 

No final do ano passado, Fundação Abrinq reuniu cerca de 800 representantes da sociedade civil, poder público e setor privado e chegou a conclusão de que absoluta prioridade na proteção integral dos direitos da população infanto-juvenil ainda é uma falácia no Brasil. Disposta na Constituição Federal Brasileira, no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e em uma série de convenções internacionais das quais o Brasil é signatário, a prioridade na defesa do público é “letra morta” sob o prisma das políticas públicas em favor da infância. 

A pesquisadora e colaboradora do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo da Fundação Getúlio Vargas, Jacqueline Brigadão, que participou do evento levantou três pontos chave para entender essa omissão do Estado. . 

O primeiro é que a Educação deve ser vista de forma ampliada, incorporando preocupações da assistência social. “Entender o ensino como estratégia de superação da pobreza, como cidadania”, argumentou. 

Em seguida, mostrou como a legislação ainda pode ser considerada pouco esclarecedora no que diz respeito à defesa dos direitos. “O ECA apenas nos dá negativas, em que a criança não pode, não deve... mas não há qualquer indicação sobre o que deve ser feito, de onde virá o dinheiro. Outro exemplo é a área assistência social que sequer tem orçamento próprio, seja em âmbito federal, estadual ou municipal”, afirmou. 

No fim, mostrou-se preocupada com o que chamou de hipocrisia, na qual a pobreza explica o trabalho infantil. “Isso é um absurdo. O meu filho tem o direito a ir à escola e o dos outros têm que ajudar a família”, ironizou. 

Segundo dados do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, cerca de 4,8 milhões de crianças e adolescentes (5 a 17 anos) trabalham. Entre 7 a 14 anos, 660 mil estão fora da escola. Destes, 25% têm responsáveis com menos de um ano de escolaridade e renda de ¼ de salário mínimo. 

Outra crítica contundente foi realizada pela psicopedagoga, Isa Maria Guará. Segundo ela, há pouco diálogo entre pastas governamentais ao se realizar políticas públicas para crianças, adolescentes e jovens, tornando-as descoladas em vez de complementares. “Essa movimentação para deixar as políticas mais orgânicas vêm de baixo, dos movimentos sociais”, disse. 

Leia também:
Pesquisa traz análise sobre as características e as tendências evolutivas do trabalho infantil no Brasil
Decreto de junho de 2008 lista piores formas de trabalho infantil

Nenhum comentário:

Postar um comentário