Introdução
A criação do Conselho Tutelar foi uma das inovações que o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe. E andou bem o legislador, idealizando uma gestão participativa da própria comunidade, inclusive com a criação simultânea dos conselhos e fundos de direitos da criança e do adolescente. Antes, o legislador constituinte, acolhendo uma concepção moderna de defesa da criança e do adolescente, estabeleceu como princípios básicos a participação popular e a municipalização do atendimento àqueles. A Constituição da República, no art. 227, § 7º, prevê que "no atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204", o qual assegura, dentre outras diretrizes, a "participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis" (inc. II).
Nas discussões do anteprojeto de lei que deu origem ao Estatuto, pensou-se na necessidade de um órgão popular que distribuísse justiça social, célere e com um mínimo de formalidade, voltado a resolver, no próprio município, as questões relacionadas com violação dos direitos fundamentais das crianças e adolescentes.
Verdadeira instância administrativa, segundo Paulo Afonso Garrido de Paula [1], o órgão foi criado para zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Não existe como mera formalidade ou criação burocrática, apenas para "empregar" pessoas e ser mais um órgão do aparelho estatal. Conquanto a sociedade e o próprio poder público ainda teimem em não aceitá-lo – e isso implica acatar as decisões, prover os meios de funcionamento, participar do processo de composição etc – os conselhos tutelares são realidade. Chegaram para ficar e aí estão, mesmo que ausentes em muitos municípios. E a experiência tem mostrado que, mormente para seus principais destinatários, o órgão muito tem feito e contribuído de maneira eficaz para a implementação dos direitos constitucionalmente garantidos.
Antes deles, as questões sócio-jurídicas relacionadas a crianças e adolescentes desaguavam nas antigas varas de menores, que acumulavam funções diversas, como a de punir, acolher, encaminhar para uma família substituta, entre outras. O antigo "juiz de menores" assumia tarefas de juiz, de pai, de policial, de assistente social, em compasso com a então vigente Doutrina da Situação Irregular, que tinha em mira crianças e adolescentes mendigos, abandonados, infratores, andarilhos e outros "menores" em "situação irregular".
Como explica o Juiz de Direito Judá Jessé de Bragança Soares, "O Conselho Tutelar não é apenas uma experiência, mas uma imposição constitucional decorrente da forma de associação política adotada, que é a Democracia participativa ("Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente, nos termos desta Constituição"), e não mais a Democracia meramente representativa de Constituições anteriores" [...]. E ainda: "O Estatuto, como lei tutelar específica, concretiza, define e personifica, na instituição do Conselho Tutelar, o dever abstratamente imposto, na Constituição Federal, à sociedade (CF, art. 227). O Conselho deve ser, como mandatário da sociedade, o braço forte que zelará pelos direitos da criança e do adolescente" [2].
E é sobre as atribuições desse magnífíco instrumento de proteção à criança e ao adolescente que se discorrerá neste texto, abordando-se, em síntese, o Título V da Lei Federal nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), além de outras disposições correlatas.
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Das atribuições
O artigo 136 do Estatuto da Criança e do Adolescente enumera as atribuições do Conselho Tutelar. São funções de caráter administrativo e sócio-assistenciais, não se impregnando de juridicidade, conquanto o órgão deva se ater ao princípio da legalidade.
O Conselho Tutelar exerce uma parcela do Poder Público, conforme disposto no art. 1º, par. ún., da Constituição Federal, poder este não jurisdicional (cf. art. 131, ECA). Ele pode promover a execução de suas decisões, requisitar serviços públicos, representar ao juiz em caso de desobediência injustificada e, inclusive, assessorar o Poder Executivo na elaboração de proposta orçamentária no tocante ao atendimento dos direitos da criança e do adolescente.
Passo aqui a analisar as inúmeras atribuições dispostas no art. 136 do ECA.
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
Trata-se da competência para aplicação de medidas protetivas à crianças e adolescentes quando ocorrer violação por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável e em razão da conduta da criança ou do adolescente (art. 98, ECA).
No caso de ato infracional praticado por adolescente, a competência para aplicação de medida sócio-educativa é do Juízo da Infância e da Juventude (148, I, ECA), ao passo que em se tratando de ato infracional cometido por criança, caberão apenas medidas protetivas, a cargo do Conselho Tutelar (art. 105, ECA).
O Conselho Tutelar poderá aplicar as seguintes medidas, sem prejuízo de outras (art. 101, ECA): I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento de ensino fundamental; IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança ou adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento à alcoólatras e toxicômanos; e VII. abrigo em entidade.
Sobre o tema: "AGRAVO DE INSTRUMENTO – Nulidade inocorrente – Medida tomada pelo Conselho Tutelar, em caráter preventivo – Retirada de recém-nascido do convívio materno, nos estritos limites previstos na lei – Aplicação do artigo 101, VII do Estatuto da Criança e do Adolescente – Improvimento dos agravos" [3].
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129, I a VII;
Tais medidas são: I - encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção à família; II - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; III - encaminhamento a tratamento psicológico ou psiquiátrico; IV - encaminhamento a cursos ou programas de orientação; V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento escolar; VI - obrigação de encaminhar a criança ou adolescente a tratamento especializado; VII – advertência.
Aqui, "a atribuição do Conselho Tutelar é de realizar um trabalho educativo de atendimento, ajuda e aconselhamento aos pais ou responsável, a fim de superarem as dificuldades materiais, morais e psicológicas em que eles se encontram, de forma a propiciar um ambiente saudável para as crianças e os adolescentes que devem permanecer com eles, tendo em vista ser justamente em companhia dos pais ou responsável que terão condições de se desenvolver de forma mais completa e harmoniosa" [4].
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança;
As situações previstas no presente inciso deixam latente a variada gana de funções que possui o Conselho Tutelar. Atualmente, ele é o primeiro órgão público procurado pelas pessoas (pais, crianças e adolescentes, servidores públicos, entidades etc) quando se trata de violação a direitos de crianças e adolescentes, mesmo quando tais violações caracterizem ilícito penal.
E é justamente para bem exercer tais funções e cumprir seu papel que o Conselho Tutelar foi provido, pela lei, de ferramentas hábeis e mecanismos capazes de emprestar força para o alcance de sua finalidade.
Na primeira situação, se vê que o órgão pode requisitar inúmeros serviços. No caso da saúde, pode requisitar o atendimento urgente de uma criança, cuja consulta ou exames necessários estejam sendo protelados por alegada "falta de vaga", cabendo a "requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial" (art. 101, V). No tocante à educação, é conhecidíssima a ação do órgão em requisitar vagas em escolas ou creches, até mesmo para cumprir a medida de matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental" (art. 101, III). Pode requisitar a inclusão de criança e adolescente em programa assistencial e de inclusão, bem como atuar junto ao INSS no sentido de ver concedido benefício assistencial à criança deficiente, cujos genitores estão encontrando obstáculo ao deferimento. No campo do trabalho e segurança, p. ex., pode exigir do Ministério do Trabalho que fiscalize empresas que submetem adolescentes a trabalhos penosos, insalubres ou de reconhecida periculosidade, ou em desacordo com a idade mínima fixada pelo art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal.
O Estatuto usa o termo requisitar, que significa ordenar, "exigir legalmente" (ELIAS, 1994, p. 116). Não pede, apenas. Está explícito, portanto, o poder do órgão e a obrigação do destinatário da requisição em atendê-la, salvo justo motivo a ser verificado no caso concreto. Caso houve, no município de Junqueirópolis, que o Conselho Tutelar requisitou vaga em escola pública para dois alunos na 5ª série do ensino fundamental e o responsável pela escola se negou a atender alegando falta de vagas. Levado o caso ao Ministério Público, este constatou que, na época, haviam vagas, e determinou a instauração de inquérito para apurar ilícito penal e procedimento para apurar infração administrativa.
"Com efeito, o Conselho Tutelar não executa suas decisões, mas promove, indica, determina que suas deliberações sejam cumpridas pelas entidades governamentais e não-governamentais que prestam serviços de atendimento à criança, ao adolescente, às famílias e à comunidade em geral, caracterizados pela essência da assistência social, nas diversas áreas" [5].
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações;
Essa representação pode ser aquela que dará início a procedimento para apurar a infração administrativa do art. 249 [6] do ECA, conforme disposto no art. 194 [7] do estatuto.
Rose Mary de Carvalho lembra: "Uma coisa é certa: as decisões do Conselho Tutelar postas a serviço dos interesses da criança e do adolescente não podem ficar no papel, como letra morta, pois, havendo descumprimento injustificado de suas deliberações, pode o Conselho Tutelar representar junto à autoridade judiciária, para fazer com que suas decisões sejam respeitadas" [8].
IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente;
"O Conselho, de posse de informações da existência de infrações administrativa ou penal contra os direitos da criança e do adolescente, deve dar ciência do fato ao Ministério Público, para que sejam tomadas as providências cabíveis" [9].
A comunicação de fato caracterizador de infração penal é plenamente justificada, por força do poder-dever do Ministério Público de requisitar a instauração de inquérito policial (art. 5º, II, CPP). E de posse das peças de informação enviadas pelo Conselho Tutelar, poderá, se for o caso, oferecer denúncia desde já.
Entretanto, no que tange às infrações administrativas, só cabe a remessa ao Ministério Público quando o Conselho Tutelar entender que deverão ser realizadas novas diligências a cargo do Parquet. Caso contrário, cabe a representação direta ao Juízo da Infância e da Juventude, pois o procedimento para apuração de infração administrativa, a teor do art. 194 do ECA, se inicia também por representação do Conselho.
Colhe-se da jurisprudência do TJSP: "REPRESENTAÇÃO - Conselho Tutelar - Legitimidade de parte - Medida tendente a apurar infração administrativa cometida por genitor, por alegado abandono material e moral de seu filho - Artigo 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Recurso provido" [10].
V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência;
Os artigos 148 e 149 do ECA dispõem sobre a competência da Justiça da Infância e da Juventude. No exercício de suas funções, os conselheiros tutelares se deparam com situações que fogem de sua alçada, notadamente quando se percebe o caráter litigioso do problema. Situação comum é da criança que não tem registro de nascimento. O Conselho resolve outras questões de sua competência, como a aplicação de medida protetiva, e encaminha o caso ao Juízo competente para que, por meio do procedimento adequado, determine a lavratura do assento.
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
O dispositivo contempla a aplicação de medida protetiva, pelo Conselho Tutelar, aos adolescentes autores de ato infracional, porventura encaminhados pelo Juízo da Infância e da Juventude. As medidas são: I. encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II. orientação, apoio e acompanhamento temporários; III. matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento de ensino fundamental; IV. inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança ou adolescente; V. requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI. inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento à alcoólatras e toxicômanos.
VII - expedir notificações;
Eis uma poderosa ferramenta de que dispõe o Conselho Tutelar para bem exercer suas funções. Evidente que, para atendimento dos inúmeros casos que lhe são apresentados, deverá convocar pais, adolescentes, servidores públicos, responsáveis por entidades. Poderá notificá-los a comparecer em sua sede, bem ainda a adotar providências para efetivação de direitos de crianças e adolescentes ou mesmo para cessar violação a tais direitos. A notificação também poderá ser utilizada para cientificar os destinatários e beneficiários das medidas aplicadas. Pode-se notificar o diretor de escola acerca da determinação de matrícula de criança ou os pais dessa criança para que cumpram a medida aplicada, zelando pela freqüência do filho à escola.
Observam Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino que "a notificação poderá ser feita de maneira muito simples, em forma de correspondência oficial, em impresso próprio, com o timbre do Conselho, desde que contenha, claramente, o objetivo a ser atendido" [11].
Roberto Elias, por seu turno, assevera: "A expedição de notificações, ao que nos parece, deve ser não só com relação aos pais e responsáveis, para que apresentem seus filhos ou tutelados para serem ouvidos, mas, também, em certos casos, às entidades que atendem menores, na cobrança de alguma providência com respeito a menores, por força de medidas que foram aplicadas. Percebe-se, claramente, que o legislador quis dar ao Conselho forças para que realmente possa atuar em prol da criança e do adolescente. Cabe aos seus membros, com sabedoria, utilizar aquilo que lhes confere o Estatuto, sem em proveito único do menor, sujeito prevalecente de direitos" [12].
VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de criança ou adolescente quando necessário;
O Conselho Tutelar pode requisitar dos cartórios de registro civil das pessoas naturais certidões de nascimento e de óbito, que deverão ser fornecidas gratuitamente, em qualquer hipótese. Trata-se de medida adequada para corrigir a falta do documento, situação mais comum do que possa parecer. Inúmeras crianças e adolescentes encontram dificuldades para o exercício de direitos básicos apenas porque não ostentam a certidão de nascimento e, na maioria das vezes, seus responsáveis não têm condições de pagar pela segunda via ou de ir até o cartório de origem, muitas vezes em municípios distantes daqueles em que residem. Mesmo com as facilidades da vida moderna (v.g. Cartório 24 horas, internet), a atuação do Conselho Tutelar, nesse ponto, supre a falta do documento para crianças e adolescentes de famílias simples e desprovidas de recursos.
Como explica Rose Mary Carvalho, nesse inciso "está conferida ao Conselho Tutelar a atribuição de requisitar, quando necessário, certidões de nascimento e de óbito, tendo em vista facilitar o desempenho de suas atribuições em defesa dos interesses da criança e do adolescente, assim como fazer valer o direito fundamental do indivíduo de ter sua certidão de nascimento, já que o registro civil de nascimento é um direito não muito respeitado em nosso país" [13].
Tais documentos serão expedidos independentemente do pagamento de custas e emolumentos. Em outras palavras, a requisição será atendida gratuitamente e, eventual negativa do cartorário, importará na aplicação de penalidade administrativa, sem prejuízo de apuração de ilícito penal.
Sobre a gratuidade, in casu, já se pronunciou o Colendo Superior Tribunal de Justiça:
"Recurso ordinário. Mandado de segurança. criança e adolescente. Regularização de registro. Isenção de pagamento. Lei nº 8.069/90. Provimento do Corregedor-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul. Legalidade. 1. Provimento do Corregedor-Geral de Justiça do Rio Grande do Sul que, " ex vi " do art. 102, da lei 8.069/90, isentou de custas, emolumentos e multa o fornecimento de certidões de nascimento e óbito para regularização do registro de crianças e adolescentes, não é ilegal nem abusivo. 2. Os serviços de registro, exercidos em caráter privado, subordinam-se à natureza pública da sua prestação, sujeitando-se às regras de fiscalização e providências corregedoras do poder concedente desses serviços. 3. As requisições de certidões pelos conselhos tutelares são isentas de pagamento, competindo ao Corregedor-Geral de Justiça editar provimento a esse respeito. 4. Recurso ordinário conhecido e improvido" [14].
O art. 102 do ECA prevê que as medidas protetivas aludidas no art. 101 (da competência do Conselho Tutelar) serão acompanhadas da regularização do registro civil. Sempre que o conselheiro tutelar constatar que uma criança ou adolescente não possui registro de nascimento (que não se confunde com a certidão de nascimento), deverá encaminhar o caso ao Juízo da Infância e da Juventude, a quem compete requisitar o registro (art. 102, § 1º, ECA). Dessa forma, não cabe ao Conselho determinar a lavratura de assento de nascimento. Ele apenas requisita certidões de nascimento ou óbito.
IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente;
Essa atribuição evidencia a relevância do Conselho Tutelar no que concerne às políticas públicas voltadas aos interesses de crianças e adolescentes. Afinal, saindo os conselheiros tutelares do seio da comunidade, eles bem saberão as necessidades locais e reúnem condições para sugerir as prioridades e definir os programas que melhor atendam os anseios e problemas de seu meio.
Compete ao Poder Executivo municipal propor o orçamento e submetê-lo à Câmara de Vereadores, obrigatoriamente prevendo recursos para "planos e programas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente" e, segundo Edson Seda, "para essa propositura, o Executivo deve se assessorar dos Conselhos Tutelares, os quais, recebendo reclamações e denúncias sobre a não-oferta ou a oferta irregular de serviços públicos obrigatórios, tem condições de informar ao Executivo onde o desvio entre os fatos e a norma vem ocorrendo com freqüência" [15].
Paulo Afonso Garrido de Paula, por sua vez, obtempera: "Como o Conselho Tutelar atende a casos individuais, via de regra dependentes de assistência social, fazendo encaminhamentos para programas ou serviços destinados a crianças e adolescentes lesados ou ameaçados de lesão aos seus direitos fundamentais, acaba, em razão de suas funções, detendo conhecimentos referentes às demandas e necessidades públicas na área de infância e juventude. Desta forma, tem o dever de influir na elaboração da proposta orçamentária, sugerindo ao Poder Executivo, inclusive através do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, ações que permitam a universalização do atendimento àqueles que dele necessitem" [16].
X - representar, em nome da pessoa e da família, contra a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;
O artigo 220 da Constituição Federal dispõe que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição". E no parágrafo 3º desse mesmo artigo, fixa a competência de lei federal para "estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente" (inc. II).
O mencionado art. 221 dispõe que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão princípios da [I] preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; [II] promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; [III] regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; e [IV] respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, no art. 74, estabelece: "O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada".
A regulamentação a respeito é feita pelo Ministério da Justiça.
Eventual violação a essas regras caracteriza a infração administrativa do art. 254 do Estatuto, in verbis: "Transmitir, através de rádio ou televisão, espetáculo em horário diverso do autorizado, ou sem aviso de sua classificação". Verificando tal situação, o Conselho Tutelar deve representar ao Juízo competente para as providências pertinentes.
XI - representar ao Ministério Público, para efeito das ações de perda ou suspensão do pátrio poder.
Enquanto menores, os filhos estão sujeitos ao poder familiar (art. 1630, Código Civil). Cabe a suspensão desse poder se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos (art. 1637, CC), se qualquer deles for condenado por sentença irrecorrível por crime, à pena superior a 2 anos de prisão (art. 1637, par. ún., CC). A reiteração nessas faltas poderá ocasionar a perda do poder familiar, o mesmo ocorrendo se o pai ou mãe castigarem imoderadamente ou deixar o filho em abandono e praticarem atos contrários à moral e aos bons costumes (art. 1638, CC). Também importa na perda ou suspensão do poder familiar o descumprimento injustificado dos deveres de sustento, guarda e educação dos filhos menores (art. 24, ECA).
Dos abusos cometidos pelos pais contra os filhos menores, o Conselho Tutelar geralmente é a primeira instituição a tomar conhecimento. Além das providências de seu cargo (aplicação de medidas protetivas, tratamento, abrigamento etc), deverá, em sendo o caso, remeter relatório circunstanciado ao Ministério Público, que detém competência para requerer judicialmente a suspensão ou perda do poder familiar (arts. 155 e 201, III, ECA).
O art. 95 do Estatuto da Criança e do Adolescente confere ao Conselho Tutelar competência (concorrente com o Poder Judiciário e Ministério Público) para fiscalizar entidades governamentais e não-governamentais responsáveis pela execução de programas de proteção e sócio-educativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de orientação e apoio sócio-familiar, apoio sócio-educativo em meio aberto, colocação familiar, abrigo, liberdade assistida, semi-liberdade e internação (cf. art. 90, ECA).
Para o exercício dessa atribuição, o Estatuto determina que o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente comunique o Conselho Tutelar sobre as entidades registradas e eventuais alterações (art. 90, par. ún.).
Verificando irregularidades, o Conselho Tutelar deverá representar à autoridade judiciária, nos termos do art. 191, para apuração dos fatos e imposição de penalidade.
É sempre oportuno lembrar, com arrimo em Wanderlino Nogueira Neto, que "[...] os Conselhos Tutelares podem e devem fazer o que o Estatuto e a lei municipal de criação autorizarem. Não podem agir segundo o desejo dos seus integrantes ou dos demais operadores do sistema de garantia de direitos. E, principalmente, não podem atuar para suprir ausências, faltas, omissões de outros órgãos, como por exemplo de Vara do Poder Judicial, de Órgão do Ministério Público, de Delegacia de Polícia, de Secretaria Municipal de Ação Social, de Entidades governamentais e não governamentais de proteção especial ou de socioeducação etc" [17].
Pertinente, sobre o tema, explicação de Wilson Donizeti Liberati e Públio Caio Bessa Cyrino: "A fiscalização realizada pelos membros do Conselho Tutelar não poderá limitar-se à simples verificação da pedagogia do atendimento. Deverá, também, ser observadas a parte física do estabelecimento, suas repartições, as condições de higiene e de saúde. Isso se torna imprescindível quando se trata de entidade de atendimento que adote o regime de abrigo ou internação [18].
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BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, Rose Mary de. In: CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do; MENDEZ, Emílio Garcia (coords.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
ELIAS, Roberto João. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. São Paulo: Saraiva, 1994.
GARRIDO DE PAULA, Paulo Afonso. Conselho Tutelar – Atribuições e subsídios para o seu funcionamento. São Paulo: Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, 1993.
LIBERATI, Wilson Donizete e CYRINO, Públio Caio Bessa. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente. Malheiros: São Paulo.
NOGUEIRA NETO, Wanderlino (Org.). Conselhos Tutelares e Sipia no Ceará – Registro de uma experiência – 2ª ed. Fortaleza: CEDCA/SAS, 2002.
SÊDA, Edson. ABC do Conselho Tutelar. São Paulo: Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência, 1992.
SOARES, Judá Jessé de Bragança. In: CURY, Munir; AMARAL E SILVA, Antonio Fernando do; MENDEZ, Emílio Garcia (coords.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
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NOTAS
1. Conselho Tutelar – Atribuições e subsídios para o seu funcionamento, p. 6.
2. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 431 e 432)
3. TJSP – AI 55.990-0 – Franca – C.Esp. – Rel. Des. Yussef Cahali – J. 13.01.2000 – v.u.
4. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 443.
5. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 158.
6. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrentes de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar.
7. O procedimento para imposição de penalidade administrativa por infração às normas de proteção à criança e ao adolescente terá início por representação do Ministério Público, ou do Conselho Tutelar, ou auto de infração elaborado por servidor efetivo ou voluntário credenciado, e assinado por duas testemunhas, se possível.
8. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 444.
9. idem.
10. JTJ 203/127.
11. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 161.
12. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 117.
13. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, p. 445.
14. 2ª T. - ROMS 6013/RS - Rel. Min. Peçanha Martins – j. 09.5.1996 – publ. em 26.8.1996, p. 29658
15. ABC do Conselho Tutelar, p. 26.
16. Conselho Tutelar – Atribuições e subsídios para o seu funcionamento, p. 15.
17. Conselhos Tutelares e Sipia no Ceará – Registro de uma experiência, p. 19.
18. Conselhos e Fundos no Estatuto da Criança e do Adolescente, p. 167.
Fonte: Clóvis Mendes - Oficial da Promotoria do Ministério Público de SP.