Domingo, 23 de agosto de 2009
Embora ainda internacionalmente conhecido por sua desigualdade, o Brasil paulatinamente vem quitando esta fatura histórica com a ampliação do sistema nacional de assistência social. Um dos dados socioeconômicos mais emblemáticos das últimas quatro décadas é a ampliação da cobertura previdenciária, que saltou de 8,776 milhões de brasileiros protegidos - 29,7% da população economicamente ativa (PEA) de 29,5 milhões de pessoas em 1969 - para 53,8 milhões. Esse número representa 59,8% de uma PEA de 90 milhões de pessoas entre 16 e 59 anos, diz o Ministério da Previdência. Ou seja, em 40 anos, a parcela de brasileiros com proteção social dobrou.
O aumento da formalização do trabalho, decorrente do processo de industrialização, e a ampliação dos benefícios aos trabalhadores rurais, garantida pela Constituição de 1988 independentemente da contribuição individual, são as principais razões do crescimento da assistência previdenciária. O custo, porém, foi alto: só nos últimos 15 anos, o sistema de seguridade passou de superávit a um rombo equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), que é a projeção para este ano.
O resultado, porém, é o fato de o país estar prestes a virar a atual década com queda nos indicadores de pobreza e desigualdade. Para analistas, além da ampliação da seguridade e o fim da hiperinflação, o avanço se deve ao desenvolvimento de programas de transferência de renda eficientes, como o Bolsa Família e a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas).
Mais de 23 milhões recebem benefícios previdenciários
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o Bolsa Família beneficia 73,732 milhões de pessoas em todo o país e já atingiu R$ 1 bilhão em desembolso mensal. E o Loas - que foi criado em 1993, substituindo a renda vitalícia da década de 70 - paga mais de três milhões de benefícios assistenciais a idosos de baixa renda com mais de 65 anos, também sem a contrapartida da contribuição. Esses programas, aliados aos benefícios rurais, ajudaram a reduzir a desigualdade.
Hoje, mais de 23 milhões de brasileiros recebem benefícios previdenciários (aposentadoria, pensão, auxílio-doença e salário-maternidade) mensalmente.
Para Marcelo Neri, do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), esta será a década da redução da desigualdade e da pobreza. Entre as décadas de 60 e 70, o índice que mede a desigualdade social (coeficiente de Gini) subiu de 0,537 para 0,588 (quanto mais próximo de 1 mais desigual), lembra Neri, ficando praticamente nesse patamar até 2001. Em 2007, caiu para 0,5546, puxado pela melhora na renda do trabalho devido à universalização do ensino, pelo Bolsa Família e pelas aposentadorias.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, Aldaiza Sposati, a principal mudança nas políticas sociais nos últimos 40 anos foi na postura do Estado, que deixou de apenas conceder subvenções a entidades de assistência para passar a atuar diretamente na elaboração e implementação de programas de transferência de renda:
- Deixou de agir no varejo, atendendo a demandas específicas sem compromisso de continuidade, para enfim atuar no atacado, com planejamento e coordenação que abrangem todo o país - afirma Aldaiza.
Programas sociais ajudam a inverter fluxo migratório
Os programas sociais também ajudaram a inverter o fluxo migratório no país. Segundo o demógrafo e pesquisador da Unicamp José Marcos da Cunha, em 2004, São Paulo, o principal destino de nordestinos, já mandava mais gente de volta que recebia. Na época, dos 400 mil que chegavam ao estado, outros 457 mil faziam o caminho inverso.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) mostram que, entre 1992 e 2007, o percentual de pessoas que nasceram no estado em que residem subiu de 59% para 60,3% da população total do país. Já a proporção de pessoas que migraram há pouco tempo caiu de 6,89% para 4,82% - uma queda de quase 30%.
Além da queda na migração, o fluxo mudou em direção ao Centro-Oeste, atraindo inclusive moradores do Sul, de olho do desempenho do agronegócio, reforçou Cunha:
- Minha hipótese é que a precarização do emprego, a impossibilidade de ascensão social e os benefícios agora disponíveis podem ter mudado o esquema de migração no país.
Para ele, apesar de benefícios como o Bolsa Família também estarem disponíveis nas grandes cidades, o imaginário do retorno é outro fator de peso na decisão das pessoas.
Este foi o caso de Luís Cláudio Caetano da Silva, de 38 anos, Bartolomeu José Fernandes e Edilson José Roberto, ambos de 31. Eles preferiram retornar a Pernambuco e hoje integram a mão de obra formal do estado. Os três trabalham na Moura Dubeux, grande empresa de construção civil do Nordeste.
Caetano e Bartolomeu são serventes. O primeiro tem seis dos 12 irmãos morando na capital paulista e decidiu tentar a vida lá. Trabalhou seis anos e voltou. Há um ano e meio está com carteira assinada e pretende ficar em Recife.
- Já me estabilizei por aqui. São Paulo, nem pensar - diz.
Bartolomeu só conseguiu emprego informal em São Paulo, reunindo pouco dinheiro, antes de voltar. E Edilson retornou a Pernambuco, onde, desde 1997, tem carteira assinada.
Constituição não considerou impacto fiscal
Ao ampliar os benefícios sociais, a Constituição de 1988 não considerou o impacto fiscal dessas medidas, avaliam especialistas. Com isso, as despesas com o regime de aposentadoria cresceram fortemente e preocupam diante de uma população que envelhece cada vez mais. Hoje, de cada cem brasileiros, nove têm mais de 65 anos. Em quatro décadas, essa proporção vai mais que triplicar, destaca Marcelo Caetano, do Ipea.
O déficit do regime vem sendo controlado de certa forma graças às mudanças implementadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como o Fator Previdenciário (que soma idade, tempo de contribuição e expectativa de vida no cálculo dos benefícios). O instrumento, no entanto, está sendo questionado no Congresso.
*Colaboraram Eduardo Rodrigues e Letícia Lins
Fonte: O Globo
Embora ainda internacionalmente conhecido por sua desigualdade, o Brasil paulatinamente vem quitando esta fatura histórica com a ampliação do sistema nacional de assistência social. Um dos dados socioeconômicos mais emblemáticos das últimas quatro décadas é a ampliação da cobertura previdenciária, que saltou de 8,776 milhões de brasileiros protegidos - 29,7% da população economicamente ativa (PEA) de 29,5 milhões de pessoas em 1969 - para 53,8 milhões. Esse número representa 59,8% de uma PEA de 90 milhões de pessoas entre 16 e 59 anos, diz o Ministério da Previdência. Ou seja, em 40 anos, a parcela de brasileiros com proteção social dobrou.
O aumento da formalização do trabalho, decorrente do processo de industrialização, e a ampliação dos benefícios aos trabalhadores rurais, garantida pela Constituição de 1988 independentemente da contribuição individual, são as principais razões do crescimento da assistência previdenciária. O custo, porém, foi alto: só nos últimos 15 anos, o sistema de seguridade passou de superávit a um rombo equivalente a 1,3% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país), que é a projeção para este ano.
O resultado, porém, é o fato de o país estar prestes a virar a atual década com queda nos indicadores de pobreza e desigualdade. Para analistas, além da ampliação da seguridade e o fim da hiperinflação, o avanço se deve ao desenvolvimento de programas de transferência de renda eficientes, como o Bolsa Família e a Lei Orgânica de Assistência Social (Loas).
Mais de 23 milhões recebem benefícios previdenciários
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o Bolsa Família beneficia 73,732 milhões de pessoas em todo o país e já atingiu R$ 1 bilhão em desembolso mensal. E o Loas - que foi criado em 1993, substituindo a renda vitalícia da década de 70 - paga mais de três milhões de benefícios assistenciais a idosos de baixa renda com mais de 65 anos, também sem a contrapartida da contribuição. Esses programas, aliados aos benefícios rurais, ajudaram a reduzir a desigualdade.
Hoje, mais de 23 milhões de brasileiros recebem benefícios previdenciários (aposentadoria, pensão, auxílio-doença e salário-maternidade) mensalmente.
Para Marcelo Neri, do Centro de Estudos Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), esta será a década da redução da desigualdade e da pobreza. Entre as décadas de 60 e 70, o índice que mede a desigualdade social (coeficiente de Gini) subiu de 0,537 para 0,588 (quanto mais próximo de 1 mais desigual), lembra Neri, ficando praticamente nesse patamar até 2001. Em 2007, caiu para 0,5546, puxado pela melhora na renda do trabalho devido à universalização do ensino, pelo Bolsa Família e pelas aposentadorias.
Segundo a coordenadora do Núcleo de Seguridade e Assistência Social da PUC-SP, Aldaiza Sposati, a principal mudança nas políticas sociais nos últimos 40 anos foi na postura do Estado, que deixou de apenas conceder subvenções a entidades de assistência para passar a atuar diretamente na elaboração e implementação de programas de transferência de renda:
- Deixou de agir no varejo, atendendo a demandas específicas sem compromisso de continuidade, para enfim atuar no atacado, com planejamento e coordenação que abrangem todo o país - afirma Aldaiza.
Programas sociais ajudam a inverter fluxo migratório
Os programas sociais também ajudaram a inverter o fluxo migratório no país. Segundo o demógrafo e pesquisador da Unicamp José Marcos da Cunha, em 2004, São Paulo, o principal destino de nordestinos, já mandava mais gente de volta que recebia. Na época, dos 400 mil que chegavam ao estado, outros 457 mil faziam o caminho inverso.
Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE) mostram que, entre 1992 e 2007, o percentual de pessoas que nasceram no estado em que residem subiu de 59% para 60,3% da população total do país. Já a proporção de pessoas que migraram há pouco tempo caiu de 6,89% para 4,82% - uma queda de quase 30%.
Além da queda na migração, o fluxo mudou em direção ao Centro-Oeste, atraindo inclusive moradores do Sul, de olho do desempenho do agronegócio, reforçou Cunha:
- Minha hipótese é que a precarização do emprego, a impossibilidade de ascensão social e os benefícios agora disponíveis podem ter mudado o esquema de migração no país.
Para ele, apesar de benefícios como o Bolsa Família também estarem disponíveis nas grandes cidades, o imaginário do retorno é outro fator de peso na decisão das pessoas.
Este foi o caso de Luís Cláudio Caetano da Silva, de 38 anos, Bartolomeu José Fernandes e Edilson José Roberto, ambos de 31. Eles preferiram retornar a Pernambuco e hoje integram a mão de obra formal do estado. Os três trabalham na Moura Dubeux, grande empresa de construção civil do Nordeste.
Caetano e Bartolomeu são serventes. O primeiro tem seis dos 12 irmãos morando na capital paulista e decidiu tentar a vida lá. Trabalhou seis anos e voltou. Há um ano e meio está com carteira assinada e pretende ficar em Recife.
- Já me estabilizei por aqui. São Paulo, nem pensar - diz.
Bartolomeu só conseguiu emprego informal em São Paulo, reunindo pouco dinheiro, antes de voltar. E Edilson retornou a Pernambuco, onde, desde 1997, tem carteira assinada.
Constituição não considerou impacto fiscal
Ao ampliar os benefícios sociais, a Constituição de 1988 não considerou o impacto fiscal dessas medidas, avaliam especialistas. Com isso, as despesas com o regime de aposentadoria cresceram fortemente e preocupam diante de uma população que envelhece cada vez mais. Hoje, de cada cem brasileiros, nove têm mais de 65 anos. Em quatro décadas, essa proporção vai mais que triplicar, destaca Marcelo Caetano, do Ipea.
O déficit do regime vem sendo controlado de certa forma graças às mudanças implementadas pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, como o Fator Previdenciário (que soma idade, tempo de contribuição e expectativa de vida no cálculo dos benefícios). O instrumento, no entanto, está sendo questionado no Congresso.
*Colaboraram Eduardo Rodrigues e Letícia Lins
Fonte: O Globo
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